segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O Livro vermelho de Jung

Oculta por 70 anos, obra inédita, lançada agora em português, em edição luxuosa, traz ilustrações e manuscritos do autor; os textos servem de base para os trabalhos do criador da psicologia analítica


       Acaba de ser lançado o tão esperado O Livro vermelho, ou Liber novus, como o chamou Carl Gustav Jung. O criador da psicologia analítica terminou a obra por volta de 1930 e na época optou por não divulgá-la devido ao seu caráter extremamente pessoal. Mesmo depois de sua morte, em 1961, a família de Jung preferiu manter o trabalho oculto. Mas agora, depois de mais de dez anos de negociações e preparo, o livro é apresentado ao público.
       Todas as grandes obras da tradição ocidental compõem o universo cultural de Jung e o influenciaram de certa forma. É possível perceber grandes influências na composição de O Livro vermelho: Zaratustra, de Nietzsche, A divina comédia, de Dante, Fausto, de Goethe. Mas o Líber novus é novo e originalíssimo tanto na forma e apresentação quanto no conteúdo. Enquanto Nietzsche apregoou a morte de Deus, uma nova ética, a “transformação de todos os valores”, O Livro vermelho traz a novidade do renascimento da divindade interior, da experiência pessoal pela transcendência das instituições. Enquanto Dante realiza uma viagem interior de aprofundamento, personificando em Virgílio um guia para o mundo dos mortos, Jung tem múltiplos guias, sendo o mago Philemon – aquele que centraliza o conhecimento intuitivo – o maior de todos.

        O livro começa em dezembro de 1913, quando Jung tem uma visão enquanto viajava para visitar uma parente, em uma cidade próxima a Zurique: toda a Europa coberta por um mar de sangue, com milhares de cadáveres boiando, do norte até o sul. É uma imagem terrível que se repetiu como se fosse um sonho aterrorizante. Ele relatou os detalhes em seu livro de memórias, assinalando a necessidade premente que sentiu de compreender o sentido. De início, chegou a pensar que estivesse sofrendo de uma grave crise psíquica e que a visão talvez dissesse respeito a uma doença mental iminente. Só quando pouco tempo depois a Europa mergulhou na Primeira Guerra Mundial (1914- 1918) com seus incontáveis mortos e o profundo sofrimento para milhões, ele pôde compreender o sentido antecipatório de sua visão. Ficou claro para ele que as poderosas imagens que se desenrolaram a partir daí em fluxo caudaloso em fantasias e sonhos falavam também de algo interno, uma profunda transformação interior. As mudanças interiores aconteciam paralelamente às dolorosas alterações da estrutura mundial.

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